Gaya Sa Pelikula: O problema da militância vazia de significado | BL Review

Com as acusações de assédio recaindo sobre o Juan Miguel Severo (criador de Gaya Sa Pelikula), eu achei que seria um momento interessante para falar o grande problema por trás do BL, que foi recebido com muito confete ano passado. Apesar disto, este aparente caráter progressista pareceu muito plástico quando vi o dorama (e eu acabei ficando com tanta preguiça que nem escrevi sobre…). Então, dado o contexto atual, resolvi escrever minhas impressões aqui, porque se eu não escrever agora, não vou, literalmente, escrever nunca, já que o nome do dorama e do autor vão cair em seu merecido esquecimento daqui alguns meses/semanas, com o Juan Miguel Severo só sendo lembrado como um assediador.

E falar um pouco sobre esta obra é uma ótima oportunidade para criar um olhar um pouco mais crítico sobre os BLs aparentemente “progressistas”…

Gaya Sa Pelikula foi um BL filipino que pegou 2020 como um furacão depois do fim de Gameboys, procurando trazer algo “realmente representativo”, discutindo sobre a vivência LGBTQIA+, tentando envolver pessoas da comunidade nos bastidores o máximo possível e, claro, dando uma boa criticada implícita no gênero BL tal qual popularizado pela Tailândia.

O dorama conta a estória de Karl (Paolo Pangilinan), um estudante de arquitetura de 19 anos que procura transferir-se para faculdade de cinema. Antes de isto ocorrer, durante as férias da faculdade, seus pais (sem saber o que ele pretende) o forçam a ir morar na unidade de condomínio de seu tio para que ele aprenda a viver sozinho, como é hábito os homens da família fazerem nesta idade. Sem conseguir ganhar dinheiro o suficiente para se manter, o garoto percebe uma oportunidade quando vê que seu vizinho, Vlad (Ian Pangilinan), está se escondendo de sua própria família. Procurando atender ambos os interesses, eles fazem um acordo para se tornarem companheiros de casa pelo resto das férias, assim Karl não precisará pagar o aluguel e Vlad se utilizará da presença do outro para manter-se afastado de sua família.

Existe todo um discurso de separar o autor da obra dentro do meio artístico (ainda mais agora que um número GIGANTESCO de assediadores está sendo revelado no cenário cinematográfico), mas, no caso de Gaya Sa Pelikula, isto não é minimamente cogitável. Toda a proposta do dorama enquanto uma trama “diferente” se baseia justamente em um diálogo mais saudável entre LGBTQIAs e fãs de BL. Quando o autor do negócio acaba sendo revelado como assediador (pelo próprio Paolo, que é ativista LGBTQIA nas Filipinas!!!), só mostra o quão vazia foi a proposta e o quanto ela acabou ficando ainda mais superficial que um monte de BL mais “clichê” por aí.

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Assim como aconteceu com Lovely Writer, este foi mais um BL militudo que eu acabei não conseguindo terminar de ver. Existiam algumas propostas interessantes que apareceram, mas nenhuma delas encontrou uma conclusão minimamente competente para trazer algo além de uma thread do twitter pra lacrar.

Acredito, que, neste sentido, existem três pontos principais que vale a pena falar: (1) o diálogo com a figura da “fujoshi” e como a atitude de mulheres fãs de BL com homens LGBTQIAs pode ser extremamente tóxica, representado pela personagem da Judit (Adrienne Vergara), irmã de Vlad; (2) a ideia de como nós acabamos quebrando as expectativas dos pais sobre nossa carreira e nosso futuro, como ocorre com o Karl; e (3) a homofobia da família mesmo, como ocorre com o Vlad.

O primeiro ponto é, talvez, o que parecia ser o mais importante e revolucionário do dorama, já que é algo que permeia o fandom BL como um todo, com muito ódio sendo destilado entre fujoshis e homens LGBTQIA. A personagem da Judit aparece como uma apoiadora da causa LGBTQIA+ (como um monte de empresa agora no mês do orgulho 👀), mas, ao mesmo tempo, como alguém que shipa o casal do Karl com o Vlad de uma forma meio invasiva. A forma como esta vontade de shipar pessoas reais aparece envolve um pouco a questão das problemáticas presentes na forma como algumas mulheres tratam homens que ficam com outros homens, mas, na minha opinião, o desenvolvimento que a trama propõe é tão raso que parece fazer mais mal do que bem.

Existem cenas simples e comuns que mostram esta relação, como, por exemplo, a que ela pede de uma forma imperativa para os dois se beijarem. E, apesar de isto ser problematizável, é algo muito longe de um real problema, já que toda trama com fake it until you make it (fingir que é casal pra virar casal de verdade no final), como é o caso de Gaya Sa Pelikula, tem uma cena dessas, seja hétera ou gay. Na época que assisti o dorama, eu vi o filme Muito Bem Acompanhada e tem uma cena EXTREMAMENTE PARECIDA com o casal hetero principal. Então, criticar a figura da “fujoshi” a partir de uma cena como esta não só soa raso, como também parece vilanizá-la gratuitamente, já que o caráter invasivo da Judit não passa muito disto (depois isto é meio esquecido e foca mais na aceitação dela com a sexualidade do irmão). Esta relação fetichismo com pessoais reais e próximas é um problema muito sério dentro do contexto do BL e de pessoas LGBTQIA reais, e o dorama fez o mínimo possível só pra ganhar umas palmas do twitter e alimentar as rinhas entre mulheres e homens fãs de BL.

la la la — i'm not over Gaya sa Pelikula episode 5. the sheer...

Quanto aos problemas do Karl e do Vlad, o que mais me incomodou foi como eles escalonaram rápido e escaparam MUITO do foco de sua premissa inicial.

Depois da metade do dorama, existe toda uma trama do Karl estar substituindo um irmão mais velho que morreu na cabeça do seu pai. Pra mim, isto pareceu algo digno de A Usurpadora. É uma trama meio doida e exagerada de fanfic de Wattpad, que seria OURO dentro de uma trama com uma proposta mais novelão mesmo, mas dentro da proposta de “mais representatividade” de Gaya Sa Pelikula, só afastou a verossimilhança do personagem e transformou um problema tão comum aos LGBTQIAs (não atender as expectativas dos pais) em algo distante e não relacionável.

No caso do Vlad, a aparente homofobia da mãe e do pai foi tratada de uma forma igualmente exagerada e porca. Todo o rolê de ele não gostar que mexessem no cabelo dele porque era o que o pai fazia foi DEMAIS. Assim como o pai só SUMIR depois que ele criança falou que achava um menininho lá bonitinho. Parecia um daqueles doramas coreanos baseados na estória da Cinderela, sabe? Ele sendo considerado o “culpado” porque o pai fugiu, fugindo de casa sem fugir de casa de fato… Não que algo assim não seja possível (e comum), mas a forma como o dorama mostrou isto foi, novamente, muito porca e aquém do esperado. O foco parecia querer fugir da crítica a homofobia além do discurso de twitter e isto me encheu tanto a paciência que eu desisti de ver depois do episódio seis (olha que só faltava mais dois pra acabar).

Existem pontos positivos na cinematografia e na atuação do dorama, mas, no presente momento, acho que o caso do Juan Miguel Severo infecta tudo isto com uma visão da realidade cruel que o Paolo (e não sei quantos mais) sofreram nos bastidores para gravar estas cenas. Assim como o caso do Hello Stranger (que eu desisti de começar a ver depois que saiu as acusações em cima do Tony Labrusca), é muito tenso pensar que justamente nos BLs que “querem trazer mais representatividade” é aonde os casos de assédio estão se revelando. Dá um desânimo geral, porque parece reforçar o quão falsa e inalcançável é a mensagem, e como esta coisa de BL mais “ligado a LGBTQIAs” parece só reforçar as rinhas entre homens e mulheres dentro do fandom BL…

Por isto mesmo que resolvi escrever o post. Eu sei que estamos distantes do cenário destes BLs (acho que o público brasileiro nem deve afetar tanto as produções…), mas, se queremos realmente representatividade e algo que supere os discursos rasos, PRECISAMOS desenvolver um olhar mais crítico. Não adianta nada ficar cobrando por tramas mais representativas e aceitar qualquer porcaria superficial que jogam na nossa frente.

Gaya Sa Pelikula foi uma grande decepção pra mim, mas só depois de semanas que eu assisti é que entendi um pouco o porquê. Pelo que, de fato, entrega, o dorama já não merece todo o hype que tem (assim como Lovely Writer). Agora, considerando o contexto do assédio, fica ainda mais brutal esta percepção. Eu só espero que as vítimas encontrem justiça, assim como o Paolo consiga se estabelecer na indústria do entretenimento. Ele é assumidamente LGBTQIA e, pelo menos até agora, não parece estar em nenhum outro projeto além de Gaya Sa Pelikula (algo que não aconteceu com o Ian, que, se for queer, não é assumido).

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6 comentários em “Gaya Sa Pelikula: O problema da militância vazia de significado | BL Review

  1. ótimo pontos que você destacou, realmente existem coisas problemáticas e exageradas na série. Lembro de ler em algum lugar que esse enredo tinha sido baseado na experiência pessoal do autor… e agora depois das noticias eu entendo porque não teve um final feliz.

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  2. Eu ainda não vi gaya su pelicula, mas eu tenho achado o meio bl muito repetitivo.

    ps.: faça review do Bl “Absolute BL – A Man Who Defies The World Of BL”

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  3. Achei extremamente interessante suas colocações. Tento ser bastante críticas ao assistir as produções, mas acabo não percebendo várias questões que são limitantes do meu próprio lugar (enquanto uma mulher, cis, bi). Agradeço por compartilhar sua crítica, com toda certeza me ajudou a modificar meu olhar.

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    1. Fico feliz que tenha gostado ^^ Acho o pessoal é muito explosivo quando vão colocar o fanservice X representação e só fica uma gritaria no twitter em que ninguém escuta ninguém kkkkrying

      Aos poucos a gente vai entendo e percebendo as nuances do rolê e até ficando mais confortável pra falar sobre 🙂 (eu com o blog foi bem assim kk A cada post que toca neste assunto eu acabo aprendendo um pouquinho mais pra escrever)

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